
São Paulo imigrante
A cena cultural imigrante acende nas ruas da cidade
Gabriel Andrade
Trocar de país é deixar sua cultura e se defrontar com outra, é deixar família, amigos, emprego, a sua origem, e ir em busca de novas oportunidades, de um lar, de uma outra vida. São tantos que vão e vêm, e as cidades que crescem a cada dia. Novos povos, culturas e línguas se misturam ao jeito brasileiro.
A maior metrópole brasileira, São Paulo, é cenário de inúmeras imigrações. De acordo com dados do Sincre (Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros), fornecidos pela Polícia Federal em 2015, 373.955 mil imigrantes estão vivendo na capital.
De tanto ver e ouvir falar dessa gente, o publicitário Luiz Celso Piratininga e o músico Irajá Menezes, resolveram juntar esses imigrantes em um só espaço, onde cada um pudesse mostrar o pedacinho de seu país em suas apresentações. Na mistura de culturas e povos, surgiu o Sarau dos Imigrantes.
O músico Irajá Menezes conta que se apaixonou pela cultura de outros países e quis fazer com que o público viajasse para esses lugares em todas as edições feitas no sarau.
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Menezes relata ainda que a iniciativa começou em abril de 2017 e cerca de 100 imigrantes já se apresentaram nos 40 espaços que o sarau já percorreu, incluindo bibliotecas públicas, SESCs e no Espaço Parlapatões, onde teve o maior número de shows. “Todos os artistas com quem nos relacionamos tiveram visíveis progressos em seus projetos. Sem dúvidas, podemos dizer que esses cidadãos hoje podem se sentir cada vez mais pertencentes à cidade de São Paulo”, completou.
No sarau dos imigrantes é possível encontrar shows de músicas, danças e manifestações artísticas de diversos países espalhados pelo mundo. A fotógrafa Daniela Menezes acompanhou e registrou todas as apresentações e conta que cada edição foi um aprendizado. “Descobrir esses estilos musicais e esses artistas é muito bom, eu espero que meu trabalho ajude a divulgar o talento de cada um”, disse.
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Brasil, um país hospitaleiro
Com um sotaque bem peculiar do Peru, o saxofonista Miguel Carbajal conta que participou da nona edição do projeto. Morando no Brasil há seis anos, ele relata que a música entrou em sua vida desde a infância. “Comecei a tocar flauta doce na escola base. Depois quando estava no ensino médio, a pedido de um professor, eu comecei a tocar saxofone na banda da escola”.
O peruano estuda no Conservatório de Tatuí, cidade do interior de São Paulo. Ele expressa sua gratidão pela oportunidade de ter participado do Sarau dos Imigrantes.
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O sarau foi uma maneira de cada um mostrar sua cultura e de ajudar os estrangeiros que estão aqui no Brasil, porque é difícil achar um palco para mostrarmos nosso trabalho.
Miguel Carbajal, saxofonista peruano
Em uma mistura de inglês, português e árabe, a síria Oula Al-Sahir conta sua história. A cantora está refugiada no país desde 2015 e trouxe um pouco da musicalidade do Oriente Médio ao sarau.
Oula decidiu vir para o Brasil após enfrentar momentos difíceis em sua cidade de origem, Homs, uma das mais afetadas pela guerra na Síria. A artista chegou a perder amigos, familiares e bens, além de ficar um mês e meio presa em seu próprio apartamento. “Eu morava no quarto andar de um prédio, já não havia vizinhos e as bombas entravam em nossa janela”, contou.
Sem planos de voltar para sua cidade natal, Oula reconstruiu sua vida ao lado de seus dois filhos e de seu marido Salim. Além de administrar um bar com comidas árabes no bairro da República, ela canta em festivais e atua como atriz na companhia teatral Satyros. “Eu gostei da experiência que tive no Sarau dos Imigrantes, tanto com o público, como os shows. Além de ser um ambiente familiar, eu também pude cantar minhas músicas”, disse ela.
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Da Angola para o Brasil
Com muito swing e uma voz marcante, a angolana Jéssica Areias surpreendeu o público do sarau. Cantora desde criança, ela veio para o Brasil há nove anos para se licenciar em educação musical. “A música é o que define a minha existência, o sentido de estar viva, de lutar, de criar, de acreditar e de continuar”, disse ela.
Imigrante, vivendo em uma capital tão rica e cheia de diversidades, Jéssica conta que sua experiência no país está sendo bastante singular. “Por ser Angolana e ser branca, não sou considerada Angolana em Angola, nem no Brasil. Assim como também não me consideram Brasileira. É uma eterna demanda para a desconstrução de todos esses rótulos que a sociedade nos impõe”, contou.
Jéssica tenta, em suas músicas, mostrar um pouco da cultura de sua terra e fazer um resgate da música folclórica da Angola, ela define o sarau como um espaço “diabólico”, no bom sentido. “O Sarau dos Imigrantes valoriza a arte e a cultura oriunda de todo e qualquer país, pela importância que tem para o entendimento do mundo e sua diversidade e, principalmente, para o entendimento de São Paulo, uma das cidades mais cosmopolitas do mundo”, falou.
A chilena Renata Espoz mora no Brasil há dois anos e participou da segunda edição do sarau. Desde a primeira vez que a artista pisou na capital paulista se apaixonou pela oferta cultural e pela diversidade de pessoas que vivem aqui.
Renata sentiu o gosto pela música desde a infância, inspirada pelo pai que também é musicista e pela mãe que cantava músicas de ninar para ela e sua irmã. Hoje, a artista trabalha como educadora musical para crianças e leva um pouco de sua cultura para as escolas de São Paulo.
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Música para mim é uma forma de viver, de ser feliz, de compreender as pessoas e a sociedade, é tudo. É além do ar, da arte e de tocar um instrumento, é uma forma de se reconhecer,de se conhecer, é uma companhia para todos os momentos.
Renata Espoz, cantora chilena
Outro imigrante que também vive da música é o guineano Aboubacar N’Gazy Sidibé, mais conhecido como Abou. Ele é fundador do grupo Ballet Faretah Sidibé, que participou da primeira temporada do Sarau dos Imigrantes, ocorrida em agosto deste ano.
Abou mora no centro de São Paulo, junto com a maior parte do grupo. A residência, também abriga o Centro de Estudos da Cultura da Guiné, onde são ministradas oficinas de danças e percussão africanas.
O dançarino percorre a casa e mostra os instrumentos guardados no fundo do quintal, o Djembê, Dunun, Sangban e Kenkeni (tambores africanos) e também Balafon (espécie de teclado feito de bambu). O sorriso no rosto mostra o amor por sua cultura. “Nada é mais importante para mim do que a dança, com ela eu sinto alegria e muita saúde”, conta o africano.
Abou veio da Guiné Conacri para o Brasil há oito anos a convite de uma amiga. Em seu país de origem, estudou dança desde criança e chegou a ministrar cerca de 20 ritmos guineanos em escolas e oficinas. Já em São Paulo, foi registrado como bailarino profissional junto ao Ministério do Trabalho e deu início ao projeto “Contos dançados da Guiné”, uma mistura de dança, música e contação de histórias.
A cena cultural imigrante de São Paulo traz novas manifestações artísticas na metrópole. As artes de Oula, Miguel, Jéssica, Renata e Abou mostram uma parte de suas origens e de um mundo que deixaram para trás, em busca de uma vida melhor. A cada dança e som, eles retornam para casa, para o seu país, para sua infância. A arte é o fio que os mantém conectados com eles mesmos.
A voz por trás das grades
A imigrante que descobriu seu dom no pior momento de sua vida
Taynara Carmo
“A casa caiu, Beyoncé!”, foi com essa frase que a sul-africana Nduduzo Siba descobriu que não voltaria para o seu país. Alegando ser vítima de uma armação, Nduduzo ficou presa na Penitenciária Feminina da Capital por 4 anos.
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Participante das edições do Sarau dos Imigrantes, Nduduzo diz que se sentiu “em casa” ao cantar no sarau: “O público era imigrante, foi como se eu estivesse no meu país de novo”.
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Acompanhe mais sobre a história de Nduduzo.
Especialista em imigração
traça perfil de estrangeiros que moram no Brasil
Gabriel Andrade
Todos os dias chegam a nossas capitais imigrantes de vários países que buscam um novo recomeço e melhores condições de vidas. Trazem na bagagem sonhos, anseios e histórias de luta e superação.
Ao desembarcarem, esses estrangeiros precisam se regularizarem e também de adquirirem trabalho e moradia. Eles nem sempre são bem vistos pela sociedade, sofrendo preconceitos e até vivendo em condições sub-humanas.
Em entrevista para o Saraus Paulistanos, o pesquisador da FGV e especialista em políticas públicas, Wagner de Oliveira, analisou o perfil desses imigrantes que vivem no país e relatou sua opinião quanto a nova lei da imigração que está em vigor desde maio de 2017.
Wagner Faria de Oliveira é pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP), e mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS). Atua com análises de dados qualitativos, desenho, monitoramento e avaliação de políticas públicas, política migratória e finanças públicas.

Foto: Arquivo pessoal
SP - Há quanto tempo você trabalha com pesquisas sobre imigração?
WFO - Comecei em 2015, na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV. Trabalhei em uma parceria para traçar recomendações de política migratória para o Ministério do Trabalho em 2015/16, depois participei de um projeto de pesquisa aplicada da FGV sobre o tema e de um novo projeto para o MTE em 2017/18 para estruturação do novo portal de migração. Fui um dos pesquisadores que ajudou na estruturação de uma linha de pesquisas da FGV/DAPP sobre migrações e desenvolvimento.
SP - Você acha que a imigração é amplamente debatida no Brasil? Qual é a importância de falar sobre?
WFO - É um tema muito pouco debatido, está quase que totalmente deslocado da agenda pública. Repare. Algum candidato à presidente neste momento menciona o tema? No entanto sua importância é altíssima. Geralmente o tema é mais discutida em países que possuem fluxos migratórios mais consideráveis, o que de fato não é o caso do Brasil. Mas é muito importante falar não só sobre as questões mais urgentes (como gerir os novos fluxos humanitários e de refugiados) como também sobre políticas estratégicas que enxergam o emigrante como alguém que vai contribuir para o desenvolvimento do país, não só como um "estranho" no território. O debate que precisa ser feito é o de como integrar os imigrantes na sociedade e no mercado de trabalho.
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SP - Quais são as principais motivações que levam os estrangeiros a virem para o Brasil?
WFO - Em outros momentos o Brasil foi visto como um país de oportunidades. Além disso, há um efeito de constituição de redes sociais. Como o Brasil é um país que teve um alto fluxo migratório no seu passado mais distante, houve formação de comunidades de descendentes de emigrantes no país. Isso explica em grande parte os fluxos que eu chamaria de "tradicionais" (portugueses, italianos, japoneses, etc.). No entanto, há também os novos fluxos imigratórios (haitianos, sírios, venezuelanos), que buscam no Brasil uma oportunidade de reconstruir suas vidas, fugindo da realidade
conflituosa dos seus países de origem.
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SP - Qual é o perfil desses imigrantes que vêm para o país?
WFO - Em geral, são emigrantes em idade ativa, com capacidade de trabalhar e contribuir para a economia do país. São pessoas interessadas em serem produtivas, trazer sua cultura e suas tradições e dar sua contribuição em troca de um ambiente onde possa prosperar e ter as condições básicas de vida.
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SP - Quais são as principais dificuldades que os imigrantes enfrentam hoje no Brasil?
WFO - São inúmeras, dentre as quais eu destacaria as dificuldades para integração no mercado de trabalho. Há muitos empecilhos como a dificuldade para validação de habilidades e certificações estrangeiras. Muitos imigrantes optam pela informalidade ao não conseguirem executar o que sabem fazer, o que foram formados para fazer, no país.
SP - Que políticas públicas são necessárias para dar suporte ao imigrante hoje?
WFO - O fato da gestão da migração no Brasil ser feita por muitos órgãos distintos com atribuições complementares gera muita burocracia e falta de coordenação, com pouco cuidado com o próprio emigrante. Não há também orientação estratégica
clara, uma política que visa a aproveitar as habilidades dos imigrantes. Então é necessário dinamizar a gestão com métodos inovadores de coordenação, uso intensivo de dados harmonizados para dar celeridade aos processos, orientação estratégica da política de migração para dar um norte para a atuação burocrática dos órgãos, facilitação dos processos de validação de diplomas e criação de mecanismos ágeis para reconhecimento de habilidades. No caso específico dos venezuelanos em Roraima, é necessário intensificar as ações de interiorização, dado que este é um desejo da maior parte dos imigrantes e isso amenizaria o impacto dos fluxos na realidade do estado de Roraima.
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SP- A nova lei de imigração entrou em vigor ano passado. Você acha que com a mudança, a política migratória melhorou ou dificultou ainda mais? O que ainda não mudou e precisa de mudanças?
WFO - Ela certamente é um avanço do ponto de vista dos direitos humanos. É uma lei bem menos restritiva e que corrige diversas distorções e erros de orientação da Lei anterior, criada ainda no período da ditadura militar. O que ainda falta é o enfoque estratégico, e isso não ocorre no âmbito da lei, mas da sua regulamentação e na ação dos órgãos. A lei abre vários dispositivos interessantes como a atração de talentos com capacidades estratégicas para o país, mas isso ainda precisa ser implementado de fato.
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SP - Você acredita que o Brasil é um país hospitaleiro?
WFO - Em geral sim, e é isso que boa parte dos emigrantes dizem, conforme podemos observar em pesquisas qualitativas que fizemos. No entanto, isso não significa que não haja uma xenofobia em potencial. Já tivemos diversos episódios tristes envolvendo ataques a haitianos, sírios e venezuelanos, o que é inadmissível. Além disso, existem figuras políticas que se aproveitam disso para fazer um discurso xenófobo. Em parte isso se deve à falta de orientação estratégica da política de migração brasileira
Rap Latino Americano, um som de liberdade para América
Grupo Latam Esquad e Mestiços 591 levam a batida espanhola para a cidade de São Paulo
Gabriel Andrade
A cidade de São Paulo já não é mais a mesma depois de receber o rap latino americano. O estilo musical ganhou força entre os imigrantes que vivem na capital, formando vários grupos e coletivos que através das músicas podem expressar seus gritos de resistência e liberdade. Um deles é o Latam Esquad (Esquadrão Latino Americano), grupo formado por 10 imigrantes que juntam referências brasileiras, norte-americanas e sul-americanas em suas músicas. Eles participaram da segunda temporada do Sarau dos Imigrantes e é o primeiro coletivo de rap latino americano do Brasil.
Outro grupo que também participou da reportagem é o Mestiços 591, ele surgiu há apenas um ano e já leva o estilo musical para vários lugares da capital paulista. Juntos, Latam, Mestiços e outros coletivos de rap participam de batalhas quinzenais no bairro do Brás, região central de São Paulo.